"Deus perdoa, mas não elimina a consequência dos nossos atos"
Era verão e o sol estava se pondo no horizonte. Dois amigos caminhavam pela praia. A aurora brilhava sobre seus rostos tranqüilos. E o mundo parecia silenciar-se diante da bonança presente na companhia um do outro. Ouvia-se apenas o som das ondas açoitando as margens da praia, ecoando em seus ouvidos como uma majestosa canção.
Aos poucos a aurora deu lugar ao imenso céu negro, com suas incontáveis estrelas, formando um enorme pergaminho, onde as letras, os pontos e vírgulas chamados constelações representavam uma declaração de amor aos dois pobres mortais.
Ela uma cristã de conduta irrepreensível, modesta e conservadora baseada em princípios inquestionavelmente nobres e corretos, mesmo para ele – um questionador da existência divina, por conta da desarmonia terrestre, que lhe perturbava a mente, mesmo diante de um cenário tão tranqüilo como aquele em que se encontravam.
Havia muito tempo, ele se entregara aos vícios e aos prazeres temporais desse mundo, com objetivo de aplacar a ira de seus pensamentos. Em vão buscou as satisfações mundanas, que resultaram em apenas tristezas, solidão e vazio. Ansiava naquele momento por um pouco de paz. Na mesma proporção de beleza daquele cenário estava seu coração em conflito.
Os passos diminuíram repentinamente, até que ela parou e se virou para o mar. Ele observava seu rosto sereno enquanto ela flertava com o oceano. Pensava consigo: “De onde vem a paz que há em seu coração?... porque ela não teme o futuro?... porque esse mundo não abala seu sorriso?... de onde vem a alegria, que partindo dela, me contagia, quando de seus olhos, lágrimas rolam sobre sua face? – Porque na mesma proporção da beleza que esse cenário oferece, está a tranqüilidade de seu coração?”.
Quebrando o silêncio perguntou – Em que você está pensando?
Ela apontou para o mar e disse – Mal a lua despontou no céu, e as ondas se encontram prateadas pela sua luz... Olhe as estrelas no céu... E tente descrever o mistério que as mantém no firmamento... Olhe nós dois aqui diante dessa imensidão... E tente calcular o valor que nos foi dado, pois Ele está acima das estrelas, do sol, da lua e do imenso oceano. Olhe para a constelação de Órion, e eis que Ele virá com as nuvens e um séqüito de anjos, por um espaço aberto no Céu.
Embora a poesia que brotou de seus lábios fosse realmente bonita, não conseguiu segurar –se e disparou a rir de sua amiga. Como alguém que sabia o que estava fazendo, ela perguntou: - Do que você está rindo?
Balbuciando as primeiras palavras enquanto se acalmava da crise de risos ele respondeu:
- Ah... Fala.... Você não... Você não pode está falando sério, né? ... Vai me dizer que você acredita nisso? ... Que Jesus Cristo, se é que Ele existe, e que de fato Ele é Deus e não um político da era judaica... Vai vir por um evento miraculoso, com muitos anjos no Céu, através da constelação de Órion... Você só pode está sonhando... Pensei que você não bebesse.
Por um instante ele a observou e viu uma seriedade constrangedora, em seu rosto, que lhe condenava a sua atitude descortês. Em seguida prosseguiu mais sério.
- Desculpe-me... Mas não sei porque você insiste em falar comigo sobre esse assunto. Você sabe que eu não acredito nisso. Olha, você fala que Deus é amor, mas onde Ele está? ... Olha as pessoas morrendo de fome, as crianças violentadas todos os dias, olha a maldade no coração do homem, causando dor e sofrimento a vida de inocentes... O seu Deus tem prazer na morte de um pai de família? E as catástrofes naturais, porque Ele não faz nada? E milhares de pessoas estão perdendo suas vidas; Onde está o seu Deus? Dormiu?
Por um instante houve um silêncio, enquanto ele aguardava uma resposta. Parecia que seu próprio ser dependia do que ela ia dizer. Desejava mais do que nunca que as suas palavras trouxessem paz e esperança à sua consciência. Ela virou-se e olhou diretamente nos seus olhos, com uma firmeza que ele mesmo não suportou e desviou o olhar, enquanto ela lhe fazia as seguintes perguntas:
- Você, alguma vez já parou para pensar nas más decisões que você tomou? Pensou em quantas pessoas você poderia ter poupado de grande sofrimento, se sua decisão tivesse sido correta? Sente o peso da responsabilidade pelos seus atos, ou simplesmente acusa a outros pelos erros que cometeu?
- Sabe... Eu já pensei nisso. Quando era mais nova, uns quinze anos atrás. Minha tia havia decido se mudar, e eu fiquei na cidade onde eu morava devido o meu emprego. Ao tomar conhecimento da partida da minha tia, meu patrão começou a me assediar. Jamais pensei nele como um homem, pois era 33 anos mais velho do que eu. A idéia de nos relacionarmos me constrangia, por causa da diferença de idade entre nós; além do mais, ele era casado. Quando eu o rejeitei, ele começou a fazer ameaças de que ia me despedir. Fiquei desorientada... Sem saber o que fazer... A pressão era muito grande para mim, pois não tinha o conhecimento dos meus direitos e não sabia como combatê-lo. A pressão foi maior do que eu pude suportar e então eu cedi, e aceitei me envolver com ele. No dia seguinte, após o nosso encontro, ele abandonou a esposa e os filhos.
Enquanto ela contava essa história, seu semblante se obscureceu, e a harmonia de seu rosto deu lugar a uma agitação de um mar revoltoso devido a um grande sentimento de culpa. Contudo, ainda permaneciam os traços de tranqüilidade. Com a mesma firmeza dantes ela prosseguiu:
- Sua esposa fez de tudo para reconquista-lo... Havia muito tempo ele cobrava dela que emagrecesse. Para que seu marido voltasse para casa, ela se submeteu a uma cirurgia de redução de estômago. Emagreceu 20 quilos, mas a custo da própria saúde... Adquiriu muitas doenças, inclusive osteoporose. Ele não voltou para a família e ela nunca mais se casou novamente. Seu filho mais velho, hoje, tem 35 anos, não casou e sofre de síndrome do pânico, vive isolado dentro de um quarto. Já o filho mais novo nunca conseguiu perdoar o pai...
- Do nosso relacionamento, nasceu um filho, e hoje nós estamos separados. Para meu filho, é um sacrifício muito grande viver em um lar dividido, ele me diz que sente falta do pai, mas que se for morar com ele sentirá falta de mim também, queria ter os dois ao mesmo tempo...
- Agora meu caro amigo eu te pergunto, já pensou em como tudo poderia ser diferente, se a minha decisão, quinze anos atrás, fosse outra e moralmente correta? Quantas vidas eu teria poupado? Quanto sofrimento eu teria evitado?
- Você acha justo que Deus extermine quem mata e quem rouba? Você abomina a inveja, a cobiça e o ciúmes?... No entanto, tudo o que fiz, não é diferente de nada disso... Acha justo que eu seja morta também?
- Agora pare e pense na somatização das decisões erradas tomadas por todas as pessoas individualmente no mundo e como isso afeta a humanidade como um todo, e me responda, porque Deus deve ser responsabilizado? – Ninguém é culpado senão aqueles que decidiram pelo caminho errado.
As palavras ditas pela amiga, causou grande agitação em seu coração. Acusado pela sua própria consciência, ele se lembrou das inúmeras vezes, quando na sua constante busca por prazeres e satisfações egoístas, trouxe amargura e sofrimento desnecessários aos que se relacionavam com ele. Pelo exemplo da sua própria amiga se viu acusado diante do tribunal de Deus... Todo o seu ser estava em um grande conflito, e não havia quem pudesse culpar pelos seus atos. Viu-se pequeno demais, e desejou ser tragado pelo mar... Em desespero e clamando por socorro estava sua vida...Por mais que tentasse esconder, seus olhos o entregavam... Suplicando, disse:
- E o que será de nós agora? Quem poderá nos socorrer... E nos salvar da dor que causamos?
Ela então prosseguiu:
- Você perguntou se Deus dorme? Eu te respondo, pode O Infinito Amor, estar indiferente a um coração perturbado como o seu? Você diz ser justo a morte do pecador... Mas o que dizer do Sacrifício do Justo para salva-lo?
- Nos encontramos todos culpados diante de Deus... A ponto de nos tornarmos merecedores da extinção humana, mas antes, pela morte e ressurreição DEle nos tornamos justos para viver.
- Tão sagrado como é o próprio Deus é a Lei do Livre Arbítrio... Fomos criados para fazer o bem, de tal forma que sabemos muito bem quando decidimos fazer o mau; mas, Deus não nos impede que façamos. Ele deseja de cada um o serviço voluntário de amor e abnegação. Não retira o mau que provocamos, porque é conseqüência da transgressão das Suas Leis, no entanto passa pelas mesmas dores que causamos, e dores de cruz... Pode esse Deus estar dormindo?
- Todavia é pelas suas dores que somos restaurados à Sua imagem, e transformados para toda boa obra mediante a prática do bem. Que esperança haveria para nós se não fosse o Sacrifício do Justo?
- Julgamos ser inocentes os que sofrem a maldades de outros... Mas o que dizer da inocência do Cordeiro de Deus imolado por nossos pecado?
- Pois que pelas Suas pisaduras fomos sarados e pelo Seu amor fomos chamados Filhos de Deus.
- Ao que pecou, resta uma esperança... De todos os males que cometeu, arrependa-te de todo o seu coração e se apegue em Deus, e as palavras que foram ditas ao ladrão na cruz, serão ditas a você também... “Entrarás comigo no paraíso”.
Ao ouvir essas palavras, o mar agitado no coração do amigo aquietou-se como quando O Salvador ordenou, no mar da Galiléia... Breve veio a bonança e sua consciência repousou em paz... Na certeza do Amor de Deus e do Seu perdão, olhou para o Céu e contemplou mais uma vez, e eis que viu diante de si um pergaminho que se desenrolou, e pode ver em todas as estrelas as letras do amor divino!